terça-feira, 13 de julho de 2010

Uma imagem da palavra vale mais que o número 1000.
Nem é preciso tanto: um trema
comovido como uma mulher bonita prestes a chorar
(foco no nariz arrebitado de onde a lágrima virá pender)
trema no i como em cocaïne
um suspiro fresco e curto sustenta o trema sobre o abismo.











O arroz com feijão, nada demais
rodas de bicicleta dividindo a poça rasa
Não me convidem para o batismo
de nenhuma lei da física
neste domingo
me deixem só atrair matéria.











He’s nineteen
os cafés continentais o jazz
Ella, Paraty o mar sem onda de Paraty
o carnaval com Cole Porter e mais:
os cuidados maternais do surfing boy.
Tantas vezes eu estive para dizer cara olha,
e ele com gatos aranhas chineses
Jacques Cousteau
tanto
desisti ponto.











O desejo volta do pasto satisfeito
exercícios de docilidade
Discussão de garis no Jardim Botânico,
pela janela do carro
rápido em tintas tarsilas
um guache áspero que a chuva logo virá amolecer.











No cúmulo do ódio
o avião levantou vôo.
Furamos a chuva sobre o Rio
em menos de um minuto
catávamos estradas e praias conhecidas como
as melhores amigas
Fez sol todos os dias.











Maio 92


Amanhã vou fazer uma carne
abrir um vinho tinto
botar a mão na massa:
pretendo jogar na mesa
uma confidência imensa
Prepare o olho vermelho.











9/11/91


Reli o caderninho desde o começo para me lembrar de como sofri por nossa causa neste ano. Quem sabe isso me faz tomar jeito, tomar uma atitude, uma providência? Mas esqueci tudo, só lembro da foto de hoje à tarde no espelho do banheiro: eu disse “nossa, que cara lasciva!”, e você estava quase de costas e eu acrescentei “estou abatida”, e aparecia um olho meu por cima do seu ombro, a curva do quadril atrás da sua calça comprida, “nossa, que coisa mais linda!” eu disse, e me apaixonei pela gente naquela hora.











Não adianta essa maré branca
e nenhum descontrole na bússola
deixo cair os óculos
derrapo
saio do campo de maca
o personagem em farrapos no mar da Bahia
Capa preta e cara de menina boa
e no entanto, em Itaparica
as maiores mangas do Brasil
as mais doces melancias
viram.











16 de julho


Farpas, alfinetes, chuva, mau-humor.
Não sinto calor. Estou itálica.

Tem que engolir bonitinha
lamber as unhas
e raspar o prato
da sua parte.
Impressionante a quantidade de flash-backs necessários
para consumar o crescimento.
E como é diária a vida.











Câmbio
Fevereiro 92



Por favor acredite neste meu olho. Há um grande esforço
envolvido aqui, no valor de face. Compre este selo dúbio,
este búzio. A troca nunca é inocente: aonde você
pensava que ia a moedinha quente quando você se distraiu e
abriu a mão?











Sei que os dias difíceis
também têm seu carinho
sua teia
seu futuro
Didática dos tempos duros
última chance de alfabetizar os adultos.











Ela Sempre Chupou o Dedo


Minh’alma anêmona
tem antenas tortas e uma enorme
boca que se entorna
para fora, Single Petal Of A Rose.
Procurando as marcas do sombrio ano de 84,
do cinzento ano de 83, do transparente 82
não acho nada. A bola de celofane
era esta mesma anêmona mole
boca de ventosa, polva.
Antonio disse que minha língua tem gosto de nada.

(J’ai dit merci, j’ai dit merci, j’ai dit merci
não sei por quê
como aqueles bem-te-vis no fio)











Comando da Madrugada

Largo esse uivo rouco
no romance de Cervantes
coiote, náufraga, viúva
mando cartas do deserto
também quem?
mandou ser insone, injusta
deserdada do descnaso?











Friburgo, tensos.


Há um lugar onde
você bota o dedo
e desarma esses elásticos todos.











Baldes de líquido para amaciar a garganta
o rosto de criança atrás da fumaça
Márcia reclama da culpa de fumar aqui em casa
falamos de outros estrangulamentos
de situações em que a voz se recusa inteiramente
(enquanto organizo a represa: a mesa entre
o cabelo comprido cobrindo o olho
e as xícaras de café vazias)
não vou deixar escorregar o elo
e num estalo macio surgir um sentido súbito
controlo a dose de segredo.











Tenho que ir pelo não
com riqueza de detalhes:
nem aquela que disse que não tinha amigos
nem a que telefonava de biquini do orelhão
(a musa anoréxica e sua sombra oblíqua sobre o meio-fio)
muito menos você ou qualquer outra pessoa do singular.
Bilhões de impossibilidades são uma felicidade, é matemático.











Vontade de encarcerar alguns visitantes do Zoológico
na jaula do tigre cego.
Supremacia do tato sobre os outros sentidos
o tato no escuro, no silêncio, insípido e inodoro
batendo no peito em ondinhas mornas
por outro lado, de amor puro.